O desaparecimento de pessoas é uma situação
que traz muita aflição e angústia aos familiares e amigos, que não podem ter a
certeza se o indivíduo procurado está vivo ou não. A falta de materialidade
para comprovação do falecimento, ou seja, ausência do corpo, pode ser um fator
que motive o Judiciário presumir a morte do desaparecido. A morte presumida
permite à família correr atrás de benefícios como, pensão ou indenização.
No sentido de determinar, ou não, a morte
presumida, a legislação brasileira permite que esta dúvida seja esclarecida, a
fim de resguardar o direito de família e permitir que os familiares possam administrar
os bens que o desaparecido possui. O tema morte presumida foi inserido no
Código Civil de 2002.
Um caso clássico na Justiça brasileira, de
morte presumida foi o desaparecimento do deputado constituinte Ulysses
Guimarães. Ele morreu no ano de 1992, em um acidente de helicóptero no litoral
do Rio de Janeiro.
Outro caso em que a Justiça do Rio de Janeiro
decretou a morte presumida foi, recentemente, do ajudante de pedreiro Amarildo
Dias de Souza que, em 2013, desapareceu depois de uma abordagem policial na
favela da Rocinha. Este episódio gerou grande repercussão na mídia e colocou em
dúvida a ação da autoridade policial fluminense.
A 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Rio julgou procedente o recurso movido pela mulher e filhos do desaparecido, e
declarou, assim, a morte presumida de Amarildo.
Na opinião do defensor da família de
Amarildo, o advogado João Tancredo, a morte presumida tem finalidades
essenciais. “Primeiro, é que a família obtendo o documento, que lhe dê o alento
da comprovação pelo Estado, de que aquela pessoa está morta ou presumidamente
morta. Você faz uma certidão dizendo isso. Então a família, de certa forma, faz
um sepultamento virtual, vamos dizer assim, mas faz. É uma fase do luto. Isso é
muito importante. Segundo, é que com essa certidão, você tem habilitações em
crédito, abertura de inventário e pedido de indenização”.
Segundo o advogado João Tancredo, a família
de Amarildo foi alvo de preconceito, inclusive, na alegação de que o pedreiro
fosse ligado ao tráfico de drogas. “No caso do Amarildo veio o preconceito
achar que ele saiu de casa e foi dar uma volta, sumiu porque quis sumir, tinha
aquelas questões envolvendo a posição social da vítima na verdade. O juiz
chegou a dizer na sentença, quando julgou improcedente, de que o Amarildo
estava nas mãos dos agentes públicos e, portanto, em segurança”.
Ainda para ele, esse caso configura um
exemplo, de que a decretação da morte presumida pode proporcionar o recebimento
de benefícios da previdência social e enseja, também, um pedido de reparação
por parte do Estado à mulher, familiares e para os seis filhos do pedreiro. “Se
essa burocracia começa a emperrar o cumprimento da decisão judicial, é claro
que haverá, é motivo para você fazer uma ação (de reparação). Mas, para a
família é isso, nós vamos juntar as certidões, ela vai habilitar na previdência
social, pra receber uma pensão, independente da pensão que o Estado tem que
pagar pela morte dele, porque uma coisa é a pensão da previdência se ele
tivesse morrido por um ataque, um infarto, por exemplo, a família teria direito
a uma pensão. Então, essa pensão está reservada da previdência social. Como ele
morreu, estou afirmando e repetindo o que a família fala o tempo inteiro,
assassinado pela polícia, ele tem direito a uma segunda indenização, e aí, essa
ação de indenização já está em andamento”.
Além do sumiço de pessoas, outras situações
em que este dispositivo pode ser aplicado são nos casos de catástrofes naturais
ou acidentes e, dependendo da situação, a morte presumida pode ser reconhecida
de forma coletiva. Um exemplo disso foi o acidente aéreo envolvendo um avião da
Air France (Voo 447), que desapareceu no trajeto entre o Rio de Janeiro e Paris
e matou 228 pessoas no ano de 2009, sendo desse total, 55 brasileiros.
O advogado João Tancredo ressalta que, no
caso desse desastre aéreo, a morte presumida foi declarada com agilidade, ao
contrário do caso de Amarildo. “Nós fizemos a morte presumida, pra dar um
exemplo, de diversas famílias, diversas vítimas no caso do Voo AF 447, da Air
France, que faleceram diversos brasileiros, com mais precisão, 55. Nós fizemos
diversas ações de justificações de morte presumida e todas saíram na mesma
semana. Algumas, na verdade, no mesmo dia, dada a evidência do fato”.
Segundo a advogada Denise Schmitt Siqueira
Garcia, especialista em direito civil, o código trata de duas hipóteses
distintas: a morte presumida com a decretação da ausência e a morte presumida
sem a decretação da ausência. “Então, essa morte presumida com a declaração de
ausência vai acontecer naquelas pessoas que desaparecem e nunca mais aparecem.
A família dá entrada à um processo que nós chamamos de sucessão provisória, e
depois de dez anos dessa cessão provisória, a família, então, pode fazer uma
sucessão definitiva e, daí sim, é decretada a morte presumida dessa pessoa
desaparecida. E o segundo caso que nós temos de morte presumida, que está no
Artigo 7º do Código Civil, nós falamos que é sem a declaração de ausência”.
Em relação ao direito de família, a
especialista afirma que só depois da morte presumida é que o cônjuge pode ser
considerado viúvo. “O problema é que a morte presumida ela dá a possibilidade
dessa pessoa aparecer viva. Então, assim, o primeiro ponto é, ele é considerado
viúvo? É. Quebra-se o vínculo de relação de família, do casamento, sim. Isso
nós não tínhamos no código de 1916 e nós temos agora. Então, a morte presumida
no código de 2002, ela traz efeito pessoal, ou seja, ela interfere nessa
relação de família. Só que hoje em dia, o direito de família, ele tem uma nova
vertente, ou seja, os laços de afetividade, dignidade da pessoa humana, a
relação de família que se formou nesse segundo casamento, ela deve, de alguma
forma, ser protegida”.
Para Denise Schmitt, primeiramente, deve ser
feito a cessão provisória, onde é nomeado um curador, para fazer a
administração dos bens do desaparecido, e devem ser feitas publicações de
editais, pra que possíveis interessados se manifestem sobre o fato de não
estarem mortos.
*Do Jornal Fátima News.